Como ir de iniciante a intermediário em uma língua
Bom, esse deve ser um texto estranho.
Por iniciante eu quero dizer que você não sabe a língua. Você
não sabe quase nada. Talvez conheça algumas dezenas de palavras,
mas mal consegue formar frases, muito menos entender pessoas
falando rápido.
A intenção desse texto é ensinar como chegar ao nível
intermediário. Por que não até a fluência? Por que parar no
intermediário?
Porque o intermediário é um limbo. É uma areia movediça. Não
existe um método pra sair dele a não ser continuar
empurrando.
Existe uma lei, ou expressão, chamada "the law of diminishing
returns". Não conheço o equivalente dessa expressão em português.
Mas ela significa o seguinte: quando você investe tempo em uma
habilidade, no início você aprende muito, muito rápido. Com o
tempo, o aprendizado se torna muito gradual. Você já domina o
padrão geral, e o seu esforço é para corrigir as pequenas falhas
pouco visíveis, escondidas.
Uma outra analogia seria a de pessoas obesas passando por
dietas. Em um mês perde-se 20 quilos. No segundo, 10 quilos.
Depois, cinco, dois, um por mês. Aquelas gordurinhas que habitam as
barrigas de pessoas que são magras até que se as veja sem roupa são
as mais difíceis de perder. Elas são detalhes.
É a mesma coisa do nível intermediário pro avançado em uma
língua. Pra chegar lá você tem que sofrer se esforçar por
muito tempo, com resultados muito pequenos ao longo do
tempo.
Por intermediário eu quero dizer o seguinte: você conhece
cerca de 2000 palavras. Você consegue se expressar suas ideias com
alguma fluidez. Às vezes você empaca na hora de expressar uma
ideia, mas consegue dar uma ré e reformular a frase de outra forma.
Você às vezes fala palavras de mais, às vezes palavras de menos.
Você consegue se comunicar com nativos na Internet, por meio de
chat. Se eles falarem devagar, consegue conversar em voz. Você
comete erros, obviamente, mas consegue se comunicar.
Agora eu vou abrir o jogo: todo mundo tem uma perspectiva
diferente a respeito de como aprender uma língua. Se você for
estudar em um curso eles vão usar uma certa metodologia. Em outro,
outra metodologia. "A ciência" ainda não bateu o martelo pra
definir qual é a melhor forma de aprender.
Dito isso, eu vou tentar vender meu peixe agora. Certamente, essa não é a única forma de aprender idiomas, mas é a forma que eu uso para estudar por conta própria. E como funciona para mim e para muitos outros ao redor do mundo (aprendi essa estratégia frequentando fóruns de aprendizados de língua online), acho útil expô-la aqui.
A forma que eu entendo o aprendizado de língua é a seguinte:
uma língua consiste, resumidamente, em vocabulário e
gramática.
Adquirir vocabulário é aprender o significado das palavras e
como usá-las em relação às outras.
Aprender gramática é aprender como organizar as palavras, como
relacioná-las entre si. Qual é a forma correta de estruturar as
palavras de modo a expressar a ideia desejada?
Você pode aprender elas separadamente, mas geralmente o
resultado que isso acarreta não é bonito. Apesar disso, ainda
acredito que é pior ter um vocabulário menor do que saber
menos gramática.
Algumas palavras servem apenas para cumprir funções
gramaticais, são palavras que por si só não tem sentido, e servem
para relacionar palavras diferentes e então produzir um novo
resultado. A preposição "de" é um exemplo disso. "Copo de água"
produz uma ideia diferente de simplesmente "copo" e "água",
separados.
Enfim, aprender uma língua consiste em aprender as palavras
que a compõe e os seus significados e como relacionar essas
palavras entre si.
Existem diversas formas de fazer isso. Porém, se você sabe
muitas palavras, fica mais fácil descobrir o significado de uma
frase, mesmo que não se domine toda a estrutura gramatical. O
resultado disso é que, quanto mais palavras você sabe, e quanto
mais conhece seus possíveis significados e aplicações, mais fácil
fica aprender gramática.
Agora, como aprender palavras novas?
Não basta abrir o Google Tradutor, ficar traduzindo as
coisas e anotando. O problema que vem com isso é que se você
aprende palavras novas pelo dicionário, dificilmente você aprende o
contexto em que elas se aplicam. Nisso resulta usar palavras como
"faculty" em vez de "college" ou "undergraduate course" quando se
quer dizer "faculdade" ou "curso de nível superior". Você tem a
tradução literal, mas não sabe lá muito bem as aplicações da
palavra.
Então a melhor forma de aprender é por contexto. Você vê um
vídeo, ou lê um texto, e pelas palavras em volta, pelo gesto, pelas
expressões, você entende o que está querendo ser dito.
Isso também pode ser feito por um professor em um curso de
línguas, por exemplo.
Agora, o que pode ser feito de forma prática?
Existem livros voltados para iniciantes. Estes livros
introduzem vocabulário e podem ser úteis. Existem cursos. Mas a
forma mais acessível de adquirir vocabulário é alguma espécie de
programa estruturado que te introduza a palavras novas
gradualmente. Pode ser um livro (ou uma série de livros), um curso
(duh), ou até mesmo um aplicativo como o Duolingo.
É, eu sei. O Duolingo é horrível pra aprender uma língua pois
ele só te ensina frases específicas. Mas ele é ótimo para aprender
palavras contextualizadas e como relacioná-las entre
si.
Pra exemplificar a forma como essa estratégia funciona vou me
focar no Duolingo. Tenha em mente que o que direi aqui não se
aplica somente ao Duolingo, e também que a qualidade do Duolingo
muda de língua pra língua.
O Duolingo fornece apenas frases simples. Em um curso completo
do duolingo há cerca de 3000 palavras se você chegar no nível
máximo possível das habilidades dispostas lá. Ele ensina as
palavras em contexto, mas não fornece experiência o suficiente para que se
de fato aprenda um língua. O Duolingo só não basta.
Entretanto, aprendendo estruturas e ideias simples, pode-se
extrapolá-las para criar estruturas e ideias complexas. "Eu amo meu
pai. Eu amo minha mãe". Estas são duas frases simplesmente
estruturadas. "Eu amo meu pai e minha mãe". Esta é uma frase mais
complexa. "Eu amo meu pai tal como amo minha mãe". Ainda mais
complexa. Aprendendo palavras e estruturas em certos lugares,
podemos usá-las em outros.
Aprender palavras, ao meu ver, se dá da seguinte forma: você
precisa ter memórias mediadas pelas palavras. Você precisa ter
experiências em que as palavras são usadas. Basicamente, é
necessário viver na
língua-alvo para aprendê-la. Esse é um processo gradual,
obviamente.
O Duolingo te apresenta diversas palavras novas, mas,
sinceramente, o Duolingo é meio... Chato. Não é viável usar o
Duolingo para reter palavras. Pra isso a gente usa o
Anki.
O Anki é um programa feito justamente para ajudar na
memorização de palavras. Aqui eu explico como usar
o Anki e quais as vantagens de usá-lo.
Entretanto, eu vi uma vez no Quora um rapaz dizendo que
"aprender uma língua é diferente de memorizá-la".
Isso é verdade. Pelo menos em parte.
Veja bem, se você só memorizar uma língua mas não de fato
usá-la, você não vai saber falá-la. Só que uma coisa interessante
acontece.
Já vi o pessoal das comunidades online de aprendizado de
língua comentando a respeito de "memória passiva" e "memória
ativa".
Resumidamente, a memória ativa corresponde ao conjunto de
palavras que você usa e que fazem parte do seu cotidiano. As
palavras que estão na memória passiva você não lembra na hora de
falar, mas compreende na hora ouvir ou ler.
Se você só memorizar, o que acontece é que você vai se tornar
muito bom em... Lembrar traduções. Entretanto, se você ler um texto
em que essas palavras são usadas, ou se você ouvir pessoas usando
essas palavras, você começa a ver elas sendo aplicadas em contexto.
O aprendizado está começando. Isso é muito bom. Melhor do que isso
só há uma coisa: você mesmo usar essas palavras.
Quando você só memoriza as palavras, na sua memória ativa só
ficam as palavras mais relevantes pra você, aquelas relacionadas ao
seu trabalho, aos seus gostos, aos seus hobbies etc. Isso é bom,
mas no mundo não se usam apenas as nossas palavras favoritas.
Existem várias palavras e expressões esquisitas que ninguém
gosta mas todo mundo usa, como "fila de banco" ou "bater a porra do
dedinho na quina da máquina de lavar". Dificilmente alguém vai se
desdobrar para aprender a palavra "quina", mas ainda assim ela faz
parte do nosso mundo.
O jeito é usar o que a gente memoriza. Usar o que a gente
aprende no Anki pra conversar com pessoas na vida real e na
Internet. Escrever diários. Ler livros (os infantis como O Pequeno
Príncipe são uma ótima aposta para quem ainda está aprendendo a
língua). Traduzir os próprios pensamentos, e anotar as palavras que
nos faltam para posteriormente pesquisarmos por elas. Viver na
língua, basicamente.
E é isso. Esse é o plano.
Agora vamos resumir o plano:
- Usar um programa estruturado para aprender palavras em contexto
- Anotar todas as palavras que aprendemos no programa.
- Passar todas as palavras e/ou frases que aprendemos no programa para o Anki
- Usar as palavras que memorizamos no Anki para consumir e produzir conteúdo na língua alvo: escrever diários, falar com nativos na Internet, ler livros, ver vídeos etc.
Importante: O programa, seja o Duolingo, ou um curso
presencial, não basta. Faz parte da estratégia de marketing
de programas e cursos em geral afirmar que você sairá de fluente.
Isso só será verdade se você não se apoiar apenas no programa. Isso
não quer dizer que eles são mau negócio -- muito pelo contrário.
Entretanto, eles jamais devem ser o único negócio. Claro que
isso varia de curso pra curso.
Tente pensar na língua alvo. Mais cedo ou mais tarde você vai
bater numa parede, não vai saber que palavra usar. Anote essa
lacuna. Mais tarde você poderá pesquisar por ela.
O importante é usar a língua. Não é possível frisar isso
suficientemente. Quanto mais você a usa, mais você vai se sentir
motivado a aprender palavras novas. Quanto mais palavras você
conhecer, maior acesso terá a diferentes tipos de conteúdo, e isso
te fornecerá acesso a entendimento de diferentes tipos de
estruturas gramaticais.
Considere que usar "usar o Anki para memorizar vocabulário
contextualizado" não basta, mas friso: eles são ferramentas
permitem que você faça o que basta, que é a prática.
Agora eis a parte chata: é necessário fazer isso
todo dia. Todo dia. Principalmente o Anki e a
escrita diária, mas potencialmente também o ouvir podcasts. Um dia
que você pula ("só hoje") pode facilmente virar "só mais hoje,
juro", que logo vira três meses seguidos sem nem lembrar que a
língua existe.
O que foi delineado aqui facilita muito o aprendizado de uma língua em
termos de leitura e escrita. Ouvir uma língua é parecido, mas é
necessário conversar com
pessoas que falam essa língua, ouvir essas pessoas falarem. Você
também pode ver séries e filmes e vídeos, mas esses são recursos
menos flexíveis. Não dá pra aprender a dirigir lendo livros, nem a
falar sem conversar.
E OK, e eu cheguei na areia movediça do intermediário. Como
chegar ao avançado?
Persistindo. Você vai ter terminado o tal programa, ou então
ter crescido para além dele. Você vai então aprender palavras por
vias novas: você vai ler livros, textos, artigos, ver vídeos,
conversar. Se você tem um professor, com o tempo ele vai ser tornar
menos necessário.
E aí você, gradualmente, vai andando sozinho, e então
correndo. Esse era seu objetivo desde o início, não
era?