No que consiste aprender uma língua?

Como os diferentes povos aprendem as línguas uns dos outros desde tempos imemoriais? Dificilmente havia um curso. As pessoas só se esforçavam para se comunicarem. No fim das contas é assim que se aprende mesmo. Todo o resto é macete que a gente inventa com tecnologia. Aqui vou tentar expor algumas dessas práticas e macetes que a gente pode usar para aprender línguas.

Como aprender um idioma? Hoje há muitos recursos na internet para isso. Um professor não é o único meio de aprendizado – ele é, sim, um ótimo recurso, mas de forma alguma deve ser considerado o único. O mesmo é verdade para cursos. Ao meu ver, o problema dos cursos é que eles se vendem como o único recurso necessário para aprender, e isso não é verdade. Aprender uma língua requer pesquisa e prática. Requer ir atrás. Requer ter experiências legítimas de vida naquela língua. No fim, ela consiste nos seguintes quatro componentes:

  1. Aprender o vocabulário,
  2. Aprender os sons,
  3. Aprender a distinguir os sons e
  4. Aprender gramática

Aprender vocabulário


Como aprender vocabulário? Hoje temos cursos e professores, aplicativos e material gratuito na internet. Todos eles são úteis. Como aprender vocabulário? Primeiro de tudo é importante não aprender de forma isolada. Aprender uma língua não é memorizar o dicionário. O melhor a ser feito é aprender por contexto. Para isso existem alguns recursos:

    • Aulas (cursos e professores);
    • Aplicativos;
    • Materiais didáticos;
    • Livros;
    • Música e vídeo.
    • Chats online

    Livros, música e vídeo são ambientes menos controlados e portanto mais difíceis de usar para aprender até que já se esteja um pouco avançado. O mesmo é verdade para chats online, mas eu acredito que estes ainda sejam mais fáceis do que os outros. Um tipo de vídeo que, ao meu ver, simplesmente não vale a pena é aquele em que um locutor fica em frente a uma câmera listando palavras e seus significados. Esses podem ser úteis para entender pronúncia, mas se o objetivo é ampliar o próprio vocabulário, acredito que esses sejam lentos demais.

    Depois de adquirir novas palavras é preciso retê-las. Isso nós podemos fazer através de:


    • Pensar na língua (realmente acredito nesse);
      • Pensar na língua é uma coisa que você pode fazer sempre que quiser, com ou sem papel.
    • Comunicar-se com os outros;
      • Não é esse o objetivo final? Chats online são perfeitos para isso. Existem aplicativos como o Speaky que tem apenas esse objetivo.
    • Falar sozinho;
      • Não é diferente de pensar, só que em voz alta.
    • Escrever;
      • Escrever diários ou simplesmente colocar os próprios pensamentos no papel é uma ótima prática.
    • Ler (textos em que elas estão incluídas*);
      • *Certamente isso é complicado de encontrar. Não é, portanto, uma forma tão boa de reter como é de adquirir.
    • Memorização e repetição.

      Para isso serve o Anki que ao, meu ver, é o super trunfo do aprendizado de línguas.


    Quando praticamos através do pensamento podemos encontrar barreiras, bater em certas paredes. Essas paredes serão necessariamente as nossas lacunas no domínio da língua – palavras que esquecemos ou que nunca aprendemos. Por mais chato que seja, é imporante anotar também as palavras que não sabemos.

    Aprender os sons


    Para isso é necessário nos expormos a material iniciante na língua, ou termos professores que nos ajudarão com isso. É interessante termos também acesso a material legendado na própria língua-alvo – assim podemos assimilar a relação entre som e escrita na língua, também. Certamente não é difícil encontrar desse tipo na internet: a netflix é um grande exemplo, e para os que não têm acesso a netflix sempre existe ou YouTube… ou outros domínios. Interessantemente, o Google Tradutor pode ser muito útil aqui devido a sua capacidade de converter texto para áudio. Isso também pode ser aproveitado pelo Anki. O Duolingo também pode ser útil aqui, principalmente para iniciantes – mas cuidado: não se acomode no Duolingo. Ele é útil, sim, mas é pouco eficiente. Material didático audiovisual é perfeito. Até mesmo videogames. Isso é importante porque às vezes a língua tem um comportamento imprevisível ou até mesmo contraditório. Esteja preparado para se sentir surpreso e confuso. Em línguas em que não se usam acentos o comportamento das vogais e sílabas pode ser imprevisível.

    Aprender a distinguir os sons


    Como isso é diferente do anterior? Esse é o domínio de falar e compreender o que se ouve, em inglês o famoso Listening Comprehension. Quando nós falamos, nossas palavras não são delimitadas de forma bonitinha como quando escrevemos. Às vezes as palavras de misturam. Leia essa última frase em voz alta. Deve soar algo como "Asvezizaspalavrassimisturam". Não é diferente em outras línguas. Como podemos adquirir essa habilidade então? Bom, certamente uma coisa que é importante aqui é já ter o vocabulário. Conhecer as palavras que estão em volta umas das outras permite que melhor isolemos as que não conheçemos. Mas não caia na armadilha de ficar para sempre colecionando palavras novas: é importante sempre se expor à língua falada, mesmo que não se entenda o que está sendo dito.

    Existem alguns programas de fluência, muito usados pelo pessoal que quer aprender japonês, de passarem a maior parte do tempo ouvindo conteúdo na língua-alvo. Isso quer dizer passar mais tempo ouvindo, por exemplo, japonês do que português! Mesmo que você não entenda o que está sendo dito, eventualmente você acaba captando uma ou outra palavra por contexto, e outras, mesmo não entendo, você ouve tantas vezes que ela gruda na sua cabeça. Aí você vai e pesquisa e bam– palavra nova, agora sem a necessidade do esforço de colocar ela num sistema de memorização. Dito isso, vamos prosseguir.

    Existe um conceito muito importante conhecido como "I+1", cunhado por Stephen Krashen. I significa "conteúdo que você já compreende. +1 indica que é um pouco mais difícil. "I+1" é conteúdo na língua-alvo que está um pouco mais difícil do que o que você considera confortável e fácil de entender. É sempre bom que nos exponhamos à nossa língua-alvo. Uma hora o que nós antes achávamos difícil passa a ser fácil, e então o fácil passa a ser fácil demais. É importante irmos sempre nos desafiando. Assim a gente evolui. Uma boa forma de nos desafiarmos nesse quesito é assistir material não-didático (vídeos no YouTube, por exemplo), pausando aos poucos, ou com a velocidade diminuída… e com o tempo na velocidade normal.

    Aplicativos como Duolingo, mesmo sendo ótimos para aquisição de vocabulário,só são úteis aqui para pessoas muito iniciantes. Os bons cursos procurarão comunicar tudo ou quase tudo na língua-alvo – desde os níveis iniciantes. Lembrando que a internet é um El Dorado esperando ser explorado, e material justamente com esse propósito está lá disponível, muitas vezes de graça.

    Gramática


    A gramática é a última coisa com que devemos nos preocupar. Não esquente a cabeça tentando memorizar estruturas de forma fria, lógica e racional. A gramática é o mais próximo que uma língua natural se aproxima de matemática, e nós não queremos ter que fazer cálculos em meio a conversas. Isso não quer dizer que devemos desprezar a gramática (ou a matemática): ela é um ótimo material de referência. Muito da gramática nós podemos aprender nas outras etapas. A prática leva à correção, e então à perfeição, principalmente quando falamos com pessoas que são nativas ou avançadas na língua-alvo. Não devemos, portanto, ter medo de errar. Sim, nós sempre preferimos estar certos, mas o domínio requer a correção, e não tem o que corrigir se não houver erro. A gramática deve ser usada para tirar dúvidas.

    Às vezes uma frase tem uma estrutura estranha, uma palavra a mais, ou a menos, ou um comportamento contraditório. A gramática explica essas coisas, nem que seja apenas dizendo: é assim porque é assim (especialmente no caso do inglês). O que isso quer dizer? Quer dizer que começar com gramática é ficar muito tempo lendo o manual de instruções e muito pouco tempo jogando o jogo. Por que não ir jogando e dar uma olhada no manual quando algo parece confuso? O tal do verbo to be– um bom curso ou professor te ensinará esse verbo sem nem dizer que ele se chama "to be", sem dizer, sequer, que se está aprendendo um verbo. Muito da gramática a gente aprende por osmose.